DENOCS X Convivência com o Semiárido
Roberto Malvezzi (Gogó)
O DENOCS (Departamento Nacional de Obras contra a Seca) foi criado
em 1909, ainda como IOCS (Inspetoria de Obras Contra a Seca), depois
como IFOCS (Inspetoria Federal de Obras Contra a Seca). Durante décadas
foi considerado como a maior empreiteira da América Latina.
A
concepção do Departamento era equivocada em si mesma, isto é, combater a
seca. Claro, nenhum país do mundo criou algum departamento para
combater a neve, ou combater a chuva, ou combater o deserto. Entretanto,
em sua longa existência, o Departamento construiu a maior açudagem do
mundo, cerca de 70 mil, com capacidade para armazenar 36 bilhões de
metros cúbicos de água de chuva. O Prof. João Abner, hidrólogo da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, costuma dizer que, antes
desses açudes, o semiárido era mesmo um deserto. Afinal, o que sempre
faltou não foi chuva, mas a capacidade de armazenar a água que a chuva
oferece.
Acontece
que o Departamento criou ilhas de água, mas nunca fez sua distribuição
horizontal. Essa lacuna fundamental é hoje admitida até por quem já
esteja na chefia do órgão por quase uma década, como Manoel Bonfim
Ribeiro. Essa é a proposta fundamental do Atlas do Nordeste, diagnóstico
feito pela Agência Nacional de Águas para o meio urbano da região.
Mas,
foi ali também que a chamada “indústria da seca” grassou como praga.
Sempre exigindo novas verbas para novas obras, foi o ralo do
enriquecimento pessoal de multidões de coronéis nordestinos, que fizeram
a maior parte dos açudes e poços em suas propriedades particulares,
além de construírem seu poder econômico e político manipulando a sede do
povo. O que aconteceu esses dias com o apadrinhado do deputado Henrique
Alves é apenas uma amostra grátis de décadas de drenagem do dinheiro
público para cofres particulares.
Em
1959, intelectuais como Celso Furtado, setores da Igreja como D. Hélder
Câmara, propuseram a criação da Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste. Em seu discurso inaugural, Celso Furtado pronuncia a expressão
“convivência com o semiárido” - retirando do centro o enfoque no
combate a seca e focando a industrialização - que já tinha lastro em
outros intelectuais da academia Nordestina. Mas, na lógica do capital e
do patrimonialismo, a SUDENE repetiu a indústria da seca do DENOCS. Com a
criação da SUDENE, o Departamento perdeu poder.
Esses
dias a presidente Dilma Roussef disse que não iria mais fazer a
parceria com a Articulação no Semiárido Brasileiro, que tirou do papel a
lógica da convivência com o Semiárido e a fez realidade. Com um fiapo
de dinheiro e tecnologias simples, tem um impacto social maior na
população mais pobre que cem anos de DENOCS. Agora o governo voltou
atrás e disse que vai prosseguir na parceria, mas vai continuar com sua
distribuição de 300 mil cisternas de plástico pela CODEVASF, pelas mãos
do Ministro Fernando Bezerra Coelho. Portanto, uma no cravo e outra no
calo do povo.
Operar
no Semiárido sem conhecer sua história é voltar a cometer os erros
crassos do passado. Um pouco de humildade do governo evitaria tamanho
descalabro, como as cisternas de plástico e a nova cara dessa nefasta
indústria da seca, agora como hidronegócio materializado na
Transposição.
Dilma tem feito um esforço retado para ressuscitar a indústria da seca.
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