O que é a Assembléia Popular?

Quem Somos? De Onde Viemos?

A Assembléia Popular (AP) tem uma longa história. Situa-se na continuidade de muitas outras mobilizações e lutas populares. Vejamos alguns momentos deste processo. De 1997 a 1999, a CNBB puxou a realização da 3a Semana Social sobre o tema central do resgate das dívidas sociais. Os grupos de reflexão e mobilização não tardaram a perceber que à raiz da pobreza e miséria no país estava a Dívida Externa, pela qual a riqueza produzida pelo povo brasileiro era mandado fora do país, nos cofres dos países ricos. Organizou-se, então, em julho de 1998, em Brasília, um simpósio da Divida Externa, com a participação de 150 lideranças sociais e populares, políticos e cientistas. Durante o Simpósio se articulou a Campanha Jubileu 2000 contra a dívida. É bom lembrar que a Campanha Jubileu 2000 contra a dívida existiu e se organizou em forma de rede em mais de 50 países.

Um ano depois, em 1999, a campanha Jubileu 2000 organizou no Rio de Janeiro o Tribunal da Dívida Externa, cujo veredicto ainda vale para hoje. Durante o Tribunal, a Campanha decidiu com coragem e audácia lançar o plebiscito nacional popular da dívida em setembro de 2000. Foi uma mobilização de massa, debatendo o tema da dívida até lá considerado como assunto reservado para o ministério das finanças. Cento e cinqüenta mil militantes entraram nos debates sobre a dívida e na organização do plebiscito. Foi um enorme sucesso. O governo fingiu de desconhecer. Mais de 6 milhões de cidadãos/ãs votaram. O governo antidemocrático ignorou tal expressão popular. Para muitos, o plebiscito foi uma escola de formação política, de conscientização, responsabilidade e participação.

Depois do plebiscito, com o lema: “a vida acima da dívida”, a Campanha Jubileu, continuou sua luta exigindo a realização duma auditoria pública da dívida, inscrita na Constituição de 1988. Sem esperar o aval do governo encaminhou a realização da Auditoria Cidadã da dívida. Já no final do ano 1999, a campanha Jubileu 2000 entrou numa rede maior reagrupando quase todas as campanhas contra a dívida de América Latina, África e Ásia. Passou a se chamar: “Rede Jubileu Sul”; No ano 2001 se tornou mais claro que a nova ofensiva dos EUA contra a AL, a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Essa proposta de acordo comercial visava instalar um domínio total e definitivo do império dos EUA sobre o conjunto da economia da região. Esta se tornaria apenas o pátio ou fundo de quintal dos EUA. A Campanha Jubileu Sul/Brasil foi muito ativa em numerosos encontros, fóruns e seminários para mostrar a estreita articulação entre as três estratégias do império: dívida, livre comércio e militarização. Neste tempo, o governo do FHC estava disposto a assinar a ALCA e entregar a base espacial de Alcântara (perto de São Luiz do Maranhão) ao exército dos EUA. Com toda essa mobilização existente organizou outro plebiscito nacional popular contra a ALCA.

O plebiscito popular é um momento e uma estratégia privilegiados para lançar um grande debate no país todo. Em 2002, o Brasil foi o país mais informado de todas as Américas sobre a ALCA e os TLCs (tratados de livre comércio). Nas ruas, nos ônibus, nos trens, nas escolas e mercados se falava da ALCA. A reação do povo foi unânime. Desta vez, mais de 10 milhões de pessoas votaram para rejeitar a invasão dos EUA, para defender a soberania e dignidade do país. Todo o processo do plebiscito foi um magnífico canteiro de obra de construção da democracia, de expressão de amor ao país, da alegria e orgulho de sermos brasileiros/as sem dependermos de ninguém para definir o nosso futuro, de rejeição do culto ao dinheiro que é o principal valor que os EUA sabem exportar. A campanha no Brasil puxou a articulação duma mobilização em todas as regiões, chamada Campanha Continental contra a Alca.

Desde o plebiscito sobre a ALCA, por meio de jornais, folhetos e cadernos, spots de rádio e vídeos, e outros subsídios, por meio de cursos para lideranças mantém a mobilização e a sua luta contra o livre comércio injusto, contra a dívida e contra a militarização.

Aos poucos se reforçou dentro da Campanha a articulação entre movimentos sociais e populares, redes, associações, igrejas, sindicatos e outros parceiros. A eleição do presidente Lula em outubro de 2002 mudou o cenário das alianças que construíam a campanha. Se por um lado, o governo se mostrou mais firme nas negociações comerciais internacionais, a tal ponto de bloquear a OMC e a ALCA, por outro continua a política do governo anterior dando a prioridade aos privilégios do capital sobre o atendimento das necessidades básicas da maioria da população. A frustração pela não realização duma auditoria pública da dívida, assim como a expectativa de muitos de ver enfim uma autêntica política de desenvolvimento social ficou frustrada. As reformas prometidas durante décadas (agrária, fiscal, urbana, de educação e saúde, etc.) não foram cumpridas. A perplexidade, frustração e desilusão levaram a certa desmobilização e desarticulação dos movimentos sociais.

Em maio de 2004 a CNBB lançou a 4ª Semana Social com o lema: “Mutirão por um novo Brasil”. Foram mais de 250 encontros para debater e aprofundar alguns temas como o Estado brasileiro no século 21, a auditoria da dívida, as forças sociais, o trabalho e a crise de sustentabilidade e civilização. Esses numerosos encontros, nos quais participaram as pastorais sociais, as CEBs, as paróquias e muitos movimentos sociais, deviam desembocar num “momento nacional”, no final de 2005, para juntar as contribuições sobre “o Brasil que queremos”. Simultaneamente, a Campanha Jubileu Sul na qual participam também, ativamente, setores mais progressistas das Igrejas, programou para o ano 2005 assembléias populares em todos os níveis que deviam desembocar no final do ano, numa Assembléia Nacional.

A crise política com a revelação dos casos de corrupção, a coincidência dos dois eventos nacionais programados para o final do ano 2005, a oportunidade de reagrupar as forças sociais algo dispersas, levou a juntar os dois eventos. A primeira Assembléia Popular Nacional aconteceu em Brasília, do 25 a 28 de outubro, com a presença de aproximadamente 8.000 participantes. Além das grandes momentos celebrativos, a Assembléia estudou e ampliou um primeiro documento de sistematização das contribuições vindas dos encontros e assembléias anteriores. A Assembléia chegou, pois, a elaboração de um texto: “O Brasil que queremos. Assembléia Popular Mutirão por um Novo Brasil”1. Este rico documento não tem caráter definitivo e quer ser apenas um instrumento de trabalho para promover e ajudar o debate junto ao povo sobre o Brasil que queremos, e favorecer a elaboração dum projeto popular de nação.

Na Assembléia Popular Nacional, na qual participaram grupos ou representantes de muitas entidades (movimentos sociais, campanhas, fóruns, comitês, associações, articulações, sindicatos, pastorais, comunidades, redes, etc.) se expressou com vigor a vontade do povo de participar da elaboração das grandes políticas que definem o seu futuro. Foi uma dinâmica de rearticulação das forças. Porém ainda faltam muitas organizações. A democracia representativa está em xeque. É profunda a crise de confiança nos eleitos e na sua vontade de defender os interesses do povo. A Assembléia Popular quer ser, e pode ser, uma prática de democracia participativa, que deve ser construída em todos os níveis da nação.